O Réquiem ao meu Pai

O que o espelho retrovisor indicava me fez sentir pavor, não porque houvesse alguma situação para me expor a riscos; pelo contrário, o que me assombrava era analisar minha vida retrospectivamente, o que trazia desconforto e o sentimento de injustiça, pois não há nada que eu possa fazer para corrigir os meus erros do passado.
Aliáis, viver tem dessas coisas, somos nas nossas memórias uma obra, e não a última canção que fomos capazes de escutar. O fim é sempre triste e sem qualquer “glamour”, não importando todas as coisas espetaculares que tenhamos experimentado ou mesmo criado. Não me julgo pessimista, estou apenas constatando um fato.
Visitei meu pai recentemente, após quase vinte anos de separação, ou melhor, de distância física, pois ele jamais saiu de dentro de mim ou do meu coração. Encontrei-o já sem suas habilidades de contar histórias encantadoras, que me levaram, ainda jovem, a sonhar acordado. Aquele heroi sem armas já estava abatido pelo inimigo mais cruel que pode existir: o tempo.
Revê-lo me propiciou uma espécie de redenção, a qual era necessário para eu desfrutar da minha maturidade com resignação, entretanto, contemplar aquele homem esquálido e senil me causou medo, criando uma inquietude com a constatação da nossa fragilidade e a iminente finitude. Todos morremos, sabemos, e todos nascemos, ordem natural na vida, mas tem menos charme o crepúsculo do que o alvorecer de uma vida.
Tornar-nos incapazes de caminhar, de nos vestir ou nos banhar autonomamente, deixa a sensação de estarmos nos afogando num mar revolto. Mas quem nos prometeu uma vida de glória e justa até nosso derradeiro suspiro?
E por falar em suspiro, quantos deles não guardamos em nossas memórias como momentos inesquecíveis? O primeiro beijo; o primeiro amor; o primeiro orgasmo; o primeiro qualquer coisa é inesquecível. Mas ninguém fala do suspiro no dia a dia, no entanto, é eventualmente o último deles o marcador mais importante de nossas histórias.
Em meio ao silêncio que envolve meu coração, convido a quem se dispuser, erguer algumas palavras como um tributo ao homem que viveu sua vida intensamente, o meu estimado pai, que pacientemente estendeu sua mão para eu dar meus primeiros passos. Hoje, me despeço de você, não apenas com lágrimas, mas com o reconhecimento do legado que deixaste em minha vida.
Pai, tua presença foi por vezes a âncora que me segurou nas tempestades da vida. Teus conselhos sábios, quase sempre foi o facho de luz em meio à escuridão, iluminando o meu caminho incerto com sabedoria e experiência. Seus braços, que agora repousam, foram aqueles que me abraçaram nos momentos de dor, e que me levantaram nos momentos em que fraquejei.
Recordo, com ternura, seu sorriso, seu olhar de confiança e suas histórias contadas repetidamente, que hoje passam a entrelaçar os fios da tapeçaria preciosa dos meus sentimentos. A memória da sua amizade e paciência com a minha formação como ser humano, ecoa dentro de mim com um eco do amor que sempre permeou nossa relação, mesmo nos momentos de afastamento.
Agora, em meio à tristeza que me envolve, encontro consolo na certeza de que seu legado transcende esta vida passageira. Teu espírito vive em mim e em meus filhos, nas lições que aprendemos contigo, nos valores que nos transmitiste e no amor silencioso que nos uniu. A saudade será nossa companheira, mas também será o lembrete constante do privilégio que foi ter tido alguém tão extraordinário em nossas vidas.
Descansa em paz, querido pai. Que teu espírito encontre serenidade nos campos da eternidade, onde não há mais dor, nem lágrimas, apenas a plenitude do amor divino. Até nos encontrarmos novamente, guardarei tua memória em meu coração, onde ela brilhará para sempre, como uma estrela guia nos céus da minha existência.

This article was updated on 4 março 2024

Holbein Menezes

Holbein Menezes é carioca, engenheiro, pós-graduado em engenharia econômica e mestre em administração, forjou sua atuação em 40 anos de trabalho na indústria do entretenimento.

Filho de um escritor de romances policiais e uma premiada artista plástica surrealista, sobrinho de um ganhador do Jabuti (1972), descobriu na literatura uma forma de expressão artística e um vínculo com as suas origens familiares.

Dois livros individuais publicados, "As sombras do Alentejo: O vinho e o destino" e "Rumo ao Horizonte: Uma jornada de despedida", além da participação nas coletâneas da editora Metamorfose: "As vidas que ninguém vê" e "Contos do mar".

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