O olhar de Eduardo

Naquela tarde, Carlos Eduardo se deu conta de uma coisa que saltava aos olhos de todos e que ele nunca havia percebido antes. A reunião na empresa transcorreu normalmente, entretanto, naquele dia, seu olhar fitou Almir, seu braço direito, quase um irmão que frequentava sua casa, mas dessa vez olhou para aquele homem alto e forte por um ângulo diferente.
Na noite anterior havia tido mais uma briga com Carlinhos, chegaram a vias de fato. O filho o agrediu com um murro na cara, quebrando seu nariz. Ele discutia com frequência com o rapaz, mas nunca haviam chegado nesse extremo. O motivo para o estopim da briga foi o usual: o filho não se conformava de não ter uma mesada do pai, que exigia, em contrapartida, que ele o ajudasse no trabalho.
Eduardo julgava que fazia de tudo para o menino melhorar, o levava à igreja, contratava psicólogos, psiquiatras, as melhores escolas, enfim, tudo que estava ao seu alcance e nada funcionava. O garoto a cada ano ficava mais desafiador e rebelde. O que mais o irritava era que a mãe, ao invés de mediar as situações, geralmente apartava os dois, tomando partido do filho.
Carlinhos era muito alto, pele morena, cabelos cacheados negros e compleição forte como um atleta, embora não praticasse esporte. Esses detalhes já haviam sido objeto de centenas discussões entre ele a esposa, que sempre repetia que o menino havia puxado a seu bisavô paterno e Eduardo estava procurando motivos para o desentendimento.
Após a reunião na empresa, Eduardo foi direto para a padaria ao lado do escritório, onde costumava tomar seu café após as jornadas de trabalho. Naquele dia em especial, com fisionomia fechada, ele se dirigiu para a mesa de sempre e nem precisou fazer seu pedido. Logo foi servido com uma média bem escura e um pão na chapa.
Enquanto comia, com a cabeça afundada na mesa, fazia anotações incessantes. Todos na padaria já o conheciam, ele que costumava ser simpático e a todos cumprimentar. O dono do estabelecimento inclusive olhou para seus funcionários e fez um gesto de boca fechada, de modo que ninguém o abordasse, percebendo que algo grave havia acontecido.
Já havia tempo que a aparência de seu filho incomodava Eduardo. Na última reunião, Almir, o diretor das operações da rede de supermercados lhe mostrou fotos de seus filhos do primeiro casamento, um deles tinha a idade de Carlinhos e o chamou muito atenção. Foi o suficiente para ligar todos os pontos que faltavam nesse quebra-cabeças.
Passados uns trinta minutos, chegaram uns homens de terno. Eles cumprimentaram o chefe com reverência e logo lhe entregaram uma carta. Parecia um laudo de exame de laboratório. Após ler o papel, percebeu-se lágrimas rolando dos olhos de Eduardo, e logo em seguida, uma expressão transtornada o tomou.
Sempre em silêncio, ele pegou sua caneta esferográfica e assinou um monte de documentos, os devolvendo em seguida para os senhores de terno, que se levantaram e partiram sem olhar para trás. Eduardo levantou-se, e sem consumir tudo do que lhe haviam servido, partiu na direção do escritório, deixando uma quantia sobre a mesa para pagar a conta.
Na sede da empresa, dirigiu-se diretamente à sua sala, ligou as luzes, abriu o frigobar e começou a tomar todas as garrafinhas de whisky que ali havia. Após um tempo, levantou-se de sua cadeira, pegou o porta-retratos da única férias que desfrutou em família, que ele amava contemplar e adornava sua mesa, e o atirou contra a parede, fazendo voar cacos de vidro para todos os lados.
Ficou sentado na poltrona por horas sem falar nada. O escritório já estava vazio e a chegada da equipe da limpeza era iminente. Apressou-se e puxou seu paletó da cadeira, que teimou em não sair da posição. O puxão foi tão forte que o rasgou. Deixou tudo para trás e correu. Desceu as escadas em desabalada pressa batendo todas as portas do corredor.
Ele se preocupou apenas com uma coisa, esconder seu rosto das câmeras de segurança, talvez num ato falho pelo sentimento de vergonha que o tomou. Não tinha sido capaz de ver o obvio durante todo esse tempo. Dirigiu-se à garagem, pegou o carro e partiu em alta velocidade, para nunca mais ser visto.


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