No horizonte da desilusão

O dia ensolarado transcorria normalmente. Na janela de seu apartamento, Arthur contemplava o mar e a Marina da Gloria, de onde podia ver seu veleiro branco pérola, com os dizeres "Serena Lua".
Embora ainda jovem, obteve sucesso desde muito cedo, quando começou sua primeira experiência como investidor. Não tinha uma formação especial, apenas usava seu talento inato com os números, e seu raciocínio lógico incomum, para obter lucro em aplicações na bolsa de valores, onde multiplicava sua fortuna exponencialmente em aplicações de alto risco. Lograva muito sucesso ora em investimentos no mercado de capitais, ora em criptomoedas.
Solteiro e sem nenhum relacionamento amoroso, foi diagnosticado com a síndrome de Asperger ainda criança, e só dedicava seu afeto ao seu cão. Seus pais não testemunharam sua ascensão vertiginosa, muito velhos, morreram quando ele ainda era adolescente, deixando-o uma generosa herança com a qual iniciou sua trajetória.
Seu hobby, velejar, não surpreendia muito quem o conhecia, pois estava sempre só nos seus momentos de lazer, e repetia exatamente a mesma rotina de caminhada todas as manhãs, dedicando as tardes para análises e apostas no mercado de capitais, e as noites praticava o piano. Repetia essa rotina todos os dias.
No final daquela tarde, Arthur sentiu o chão se desfazer sob seus pés, quando números vermelhos saltaram na tela do seu computador, refletindo uma brutal realidade: O mercado de moedas virtuais americano colapsou sem chance de reação. Havia sido dragado por uma fraude que nunca se perdoaria por não ter notado as evidências.
Perdeu a maior parte de sua fortuna em um único dia, num movimento errático da bolsa de moedas virtuais. A sala, que um dia fora testemunha de seus triunfos financeiros, agora se tornara o palco do seu desespero e desolação.
A sensação de desespero começou como um nó apertado no estômago, uma mistura amarga de choque e incredulidade. Olhou fixamente para a tela, como se esperasse que os números mudassem miraculosamente, que a fortuna que construíra ao longo dos anos não tivesse se esvaído em uma série de decisões duvidosas.
O suor frio começou a escorrer de sua testa, e um sentimento de pânico se apoderou dele. Os pensamentos corriam desordenadamente na sua cabeça, como um vendaval de autocrítica e arrependimento. O rosto que o olhava de volta no reflexo da sua janela parecia de um homem velho e cansado, marcado pela angústia e culpa.
No auge do desespero, Arthur sentou-se, mãos trêmulas, tentando processar a magnitude da perda. Não sabia o que fazer. Pensou em suicídio. O telefone, que costumava ser um instrumento de notícias prósperas, permanecia em silêncio. A solidão do desespero tornou-se quase tangível, envolvendo-o como uma manta gélida.
Com as pernas bambas, saiu de seu apartamento em direção aos elevadores, que teimavam não chegar. Decidiu descer para a garagem pelas escadas, mas a cada passo, a cada degrau via o rosto de seus pais lhe desaprovando. Estava experimentando um sentimento incomum de quem se julgava perfeito na sua lógica.
No estacionamento, avistou seu Audi RS4. Entrou nele e acelerou vagarosamente em direção a saída. Nesse momento, lembrou do Toddy, seu companheiro canino, mas não haveria tempo para buscá-lo. Pensou em seu veleiro, estacionado na marina em frente ao seu edifício. Afinal, a única atividade que lhe dava algum conforto emocional era velejar, e julgou que enquanto estivesse no mar, encontraria a solução para sair daquela situação.
Desiludido e exausto, Arthur projetou na sua mente uma jornada de redenção. Em seu veleiro branco como uma pérola, o "Serena Lua", decidiu partir sem conseguir definir um destino, abandonando tudo em busca de paz e renovação. Seu companheiro de todas as horas zelaria por ele, e o protegeria das intemperes. Não pensava em Toddy, mas sim na sorte, que não acreditava tê-lo abandonado.
Quando chegou ao Píer, seu veleiro já estava pronto para partir. A lua cheia, que brilhava forte naquela noite, se tornaria sua companheira, o observando silenciosamente do horizonte. Sob o brilho prateado, Arthur sentiu uma conexão única com o cosmos. A lua para ele, não era apenas uma presença celestial, mas uma amiga silenciosa que o acompanhou durante toda sua vida.
Na noite estrelada, enquanto o “Serena Lua” cortava as águas, Arthur se sentava no convés, contemplando o reflexo prateado na superfície do oceano. Era nessas horas de solidão que a lua ganhava vida em sua mente, como se tivesse uma voz suave que sussurrava palavras de conforto e sabedoria. Um conflito para uma mente booleana:
— Para onde você está indo meu bebê? — Parecia a voz de sua mãe!
— Mamãe? É você? Onde você está?
— Não é sua mãe! Olhe ao seu redor. Não consegue ver meu reflexo na água?
Começou a chorar copiosamente, quando sentiu pela primeira vez a necessidade do colo daquela que foi a única pessoa que conseguiu ter um sentimento verdadeiro! Soluçava em espasmos fortes, e seus olhos estavam embaçados pelas lagrimas que vertiam no seu rosto. Um sentimento de impotência que jamais experimentara.
— Eu não sei quem está falando! A lua não fala! — Gritou o mais forte que pôde.
— Estou aqui meu amor! Olho por você todas as noites!
Procurou ao seu redor, como que desejasse achar alguém para dar sentido ao pensamento cartesiano que conduzia sua vida. Lembrou do conto da sereia encontrada morta sob uma pedra, que sua mãe lhe contava quando criança, mas isso não fazia sentido. Aliais, naquele momento nada mais fazia sentido. Olhou diretamente para a única coisa que estava entre ele e o horizonte, e gritou alto:
— Cala a boca! Eu odeio você!
— Mas converso com você todos os dias. Sempre conversamos, não lembra dos sonhos que você compartilhava comigo quando criança?
— Já falei para calar a boca. Não lembro de sonho nenhum. Não há ninguém aqui no barco!
— Você lembra sim! Sempre me dizia que seu maior desejo era encontrar aqueles que lhe deram o brilho especial!
— O que você está falando? Eu quero ficar sozinho. Me deixa em paz!
— Falo da luz especial, aquela que o fez ser um jovem de sucesso.
Naquele instante, Arthur se deu conta de que só poderia ser uma alucinação, mas era mais confortável atribuir aquele momento ao astro brilhante. A lua sempre fora sua confidente, desde criança, ouvindo suas reflexões mais profundas e partilhando pensamentos que pareciam transcender o tempo e o espaço.
Em mar aberto, sua alma foi tomada por uma surpreendente serenidade, a qual se deu conta que o dinheiro jamais poderia tê-lo comprado. Contemplou a lua, suas curvas, suas sombras, sua beleza, e até intuiu sua sabedoria, contida nos ciclos lunares, ditando ao planeta as marés da existência.
À medida que o “Serena Lua” navegava, intuiu que a verdadeira riqueza residia na jornada, não no destino. Naquele instante, seu veleiro era o dono do seu destino, o símbolo da renovação que precisava, enquanto a lua, sua eterna companheira, mãe, o guiaria através das noites escuras, o inspirando continuar, mesmo quando obstáculos insuperáveis cruzassem seu caminho.
Decidiu voltar, tomar o caminho de casa. Lembrou de Toddy, de que precisaria alimentá-lo. Não seria uma tarefa simples recomeçar. Mas entendeu que não precisaria recomeçar de onde parou. Encontrou não apenas a redenção, mas também uma nova compreensão de sua própria essência.
Sob a luz serena da lua no horizonte distante, descobriu a simplicidade, a capacidade de escutar a voz silenciosa que ecoava dentro dele próprio. Aprendeu finalmente a lógica das pessoas que o cercavam, que julgavam que o objetivo da vida era viver, e que a felicidade seria apenas o nome da rua que tomavam para alcançar a plenitude.


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