As noites de Sueli

Todas as noites Dona Sueli fazia a limpeza dos ambientes do escritório em que trabalhava. Tinha muito orgulho do seu emprego, embora fosse necessário passar as noites fora de casa. Nesse dia encontrou Cinara mais uma vez em seu posto de trabalho. Ela ficava sempre curiosa ao ver uma moça tão bonita trabalhando até tarde todos os dias. Sempre imaginou que ela devia ter algum problema.
Dona Sueli veio para São Paulo ainda adolescente fugindo com a família da seca no Nordeste, e embora enfrentasse uma vida muito difícil, gostava de imaginar que sua missão dava conforto aos demais funcionários da empresa, principalmente ao Dr. Eduardo, que era um chefe muito exigente, mas que tinha um bom coração.
Todos os meses o patrão a presenteava com uma cesta básica, onde escondia um envelope com dinheiro num livro com dedicatória. Dona Sueli não havia completado o ensino básico, mas se orgulhava por saber ler e ter a honra de fazer parte do seleto grupo a quem Dr. Eduardo concedia o privilégio. Ela se esforçava para ler todos os livros recebidos, pois temia que algum dia seu patrão fizesse perguntas.
Durante seu trajeto de limpeza, ela encontrava muita coisa jogada nos lixos que traduziam as personalidades de cada funcionário que ali trabalhava. A única pessoa de quem não captava rastros era da própria Cinara, pois estava sempre no escritório e isso a constrangia de revirar seu lixo. Mas nesse dia, ao ingressar na sala do diretor-geral, notou que estava tudo fora do lugar, o que não era usual.
Chamou sua atenção o porta-retratos do Dr. Eduardo espatifado ao chão, como se houvesse sido atirado de longe. A porta do frigobar que ficava sob a mesa, estava aberta com todas as garrafas de bebidas alcoólicas vazias. Sobre a mesa um monte de itens pessoais do patrão sem qualquer ordenamento logico. Isso não era possível, pois ele tinha a fama de ser metódico, e sempre deixava tudo geometricamente alinhado.
Na cadeira giratória pendia o seu paletó rasgado, o que era um sinal inequívoco de que algo de muito grave havia acontecido. Já estava quase amanhecendo e Dona Sueli se apressou em arrumar tudo da melhor maneira possível e partiu para o salão principal para concluir seu turno. Aquela imagem do escritório do chefe bagunçado, não saía de sua cabeça. Ao fim do turno, foi para sala dos empregados para se trocar.
Ela não sabia, mas o patrão nascera num berço pobre e nutria por ela um carinho especial, pois Dona Sueli se parecia com sua mãe, a quem perdeu quando criança. Ao abrir o seu armário, logo notou que alguém tinha colocado um livro em meio aos pertences, e se perguntou quem teria a chave para abrir a porta. Ao folhear o livro percebeu ser um daqueles livros que o patrão habitualmente lhe ofertava, sendo que ao invés do dinheiro, havia uma longa carta.
Com medo de que mais alguém percebesse o ocorrido, guardou o livro na bolsa e partiu para a saída do prédio onde sempre batia seu ponto junto aos demais empregados. Ficou com receio de não conseguir ler a carta, dada sua limitação para leitura. Foi para casa da maneira habitual, enfrentando o metrô e o ônibus até Paraisópolis, onde vivia com o marido e o filho.
Ao iniciar a leitura, após chegar em casa, percebeu que a carta tinha termos muito difíceis, com palavras do tipo “Testamento” e outras ainda mais complicadas para o nível dela. Parecia documento feito em computador por advogado. Tinha até carimbo do cartório! Ela estava completamente perdida com a situação, quando tocaram sua campainha. Era um policial perguntando se conhecia uma pessoa chamada Dr. Eduardo e o local onde ela trabalhava.
O oficial pediu então para ela o acompanhar até a delegacia, pois havia acontecido um acidente no escritório em que trabalhava e o delegado queria fazer perguntas. — Meu deus! Exclamou Dona Sueli já intuindo o que estava por vir.


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