A jornada de Bia e Fred

A viagem à Gramado era a última tentativa de Frederico para salvar o seu casamento. Juntos há quarenta anos, ele e Bia se conheceram em meados dos anos setenta na cidade de Três Pontas, interior de Minas Gerais. Ambos eram apaixonados por Mílton Nascimento e não hesitaram em participar do show do cantor anunciado em uma fazenda da cidade.
Jovem e menor de idade, com o espírito aventureiro reinante naquela época, Frederico viajou só com o dinheiro da passagem, pois Guido, seu melhor amigo da escola lhe prometera abrigo na casa de parentes. Logo descobriu que a aventura seria bem diferente do planejado, a casa dos tios de Guidinho estava lotada. Solidário ao parceiro que havia convidado, bolaram um plano, que mais tarde se mostrou um divisor de águas na sua vida.
Foi convidado a participar de uma galinhada, e o ingresso era trazer uma galinha roubada de algum sítio da região, que seria preparada pelos organizadores. Outros participantes trariam as bebidas, a cachaça e a cerveja. Estava resolvida a estadia da primeira noite.
Frederico dormiu ao relento no banco da praça do coreto. Em frente havia o único hotel da cidade, onde Bia estava hospedada com a irmã. O frio era intenso e embora tivesse bebido muito mais do que seria razoável para sua idade, a sensação de independência aos dezesseis anos era a centelha que o impulsionava na aventura.
Ao despertar, junto dos primeiros raios de sol que iluminavam o dia, Fred, como era conhecido na escola, percebeu que o dia seria longo. Estava com dor de cabeça devido à ressaca da bebedeira da noite anterior, e o pior, com uma fome que lhe cortava o estômago. Sem dinheiro, dirigiu-se ao hotel em frente de onde dormira para pedir alguma comida.
Ao atravessar a rua, Fred foi tomado pela luz que ilumina os corações dos apaixonados. Avistou na sacada do primeiro quarto a morena mais linda que já havia conhecido. Os cabelos eram negros e escorridos até os ombros, os olhos brilhavam como diamantes azulados, ornando seu rosto angelical. Os lábios carnudos hipnotizaram Fred, que foi direto na direção da jovem, logo saudando a moça com um bom dia.
A senha foi a piscadela que recebeu. A moça apontou para a recepção e tacitamente o convidou a entrar. Fred era um rapaz bonito de pele morena e corpo sarado. Talvez isso tenha chamado atenção de Bia, que logo o convidou para tomar café, junto com sua irmã mais velha. O papo entre eles fluiu, ambos estavam na cidade para assistir ao show. Ele de pronto se apaixonou por ela, que flechou seu coração com um sorriso espontâneo e trejeito de menina.
O “Woodstock” brasileiro, como ficou conhecido, foi um show épico. Contou com a participação das principais estrelas da MPB da época e só terminou quando o alvorecer foi notado no horizonte. Fred e Bia passaram a noite inteira cantando juntos todas as canções dos seus ídolos, e se aqueceram nos braços um do outro. Foi a noite dos sonhos para os dois.
Começaram um namoro que se desenvolveu anos mais tarde para um casamento, construindo uma família com três filhos e um patrimônio respeitável. A luta para se estabelecerem profissionalmente e criar os filhos, foi, no entanto, apagando a paixão que os unia. A rotina de Bia como médica e de Fred como empresário os afastava a cada dia mais, quase não conversavam. Os filhos já adultos seguiram seus caminhos, deixando ambos vivendo numa casa sem alegria.
Fred planejou cada detalhe da segunda lua de mel. Nutria esperanças de que poderiam encontrar novamente o caminho da paixão, que os uniu por tanto tempo. Reservou um quarto num hotel de luxo e uma mesa no restaurante francês mais conhecido da cidade.
O jantar foi maravilhoso, com vinho tinto e fondue de carnes nobres. Conversaram como há muito tempo não faziam, contaram suas memórias como se fossem histórias desconhecidas. No final se abraçaram sentindo falta dos filhos e da neta amada.
Parece que naquele instante entenderam que não haveria maneiras de reviver o passado, pelo contrário, perceberam que o futuro poderia ser desfrutado por ambos de uma maneira diferente: com a calma que amor proporciona e o prazer que só se enxerga depois da maturidade.

This article was updated on 2 dezembro 2023

Holbein Menezes

Holbein Menezes é carioca, engenheiro, pós-graduado em engenharia econômica e mestre em administração, forjou sua atuação em 40 anos de trabalho na indústria do entretenimento.

Filho de um escritor de romances policiais e uma premiada artista plástica surrealista, sobrinho de um ganhador do Jabuti (1972), descobriu na literatura uma forma de expressão artística e um vínculo com as suas origens familiares.

Dois livros individuais publicados, "As sombras do Alentejo: O vinho e o destino" e "Rumo ao Horizonte: Uma jornada de despedida", além da participação nas coletâneas da editora Metamorfose: "As vidas que ninguém vê" e "Contos do mar".

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